sexta-feira, 8 de abril de 2011

No Veleiro

No veleiro


É domingo, o vento é silencioso.Vem de frente.

O ar úmido da represa de águas limpas de Avaré

Mantendo 210 graus na magnética.

Pelo canal principal, quase um mar, o céu azul salpica em stratus.

A bordo do Easy, um velho amigo de muitas histórias.

Quantas temporadas temos ambos no flutuar da vida.

Na vida é preciso tempo para refletir como fazem estas águas com os céus.

Este enorme rio convida a abrir a alma e decolar para a vida.

Romper o isolamento da pequena tempera, das coisas medianas.

Do risco de se chegar ao pé montanha e não escalá-la.

Assim segue a vida e esse rio, à medida que caminha, se limpam.

Oxida crenças, deposita no fundo o que é pesado.

Só o que se faz leve pode avançar na vida.

Ultrapassando as aparências, na firmeza de abandonar o que não serve mais.

No momento certo de abraçar o que silencia e solta ao vento.

Chego ao meu limite nessa manhã que não permite senão o verdadeiro.

Não basta calar diante do aceitável mas vencer o conforto do que se repete.

Sentir a alma humana querendo levantar-se saindo de si.

O vento parou. Agora sem velas, o jeito é acionar o motor.

O botinho inflável vem atrás se arrastando e batendo nas ondas.

Novo rumo 240, destino o Costão de mata virgem.

Lá se é transportado para Ubatuba exceto pelo canto dos pássaros.

Cenário para um passeio lento, não querendo nada, não precisando.

Apenas dividindo este momento mágico com todos que amo.

Aqui o rio se parece com o mar na praia do Flamengo.

O Flamengo é uma espécie de pátria para os velejadores.

O prêmio merecido pelas horas de equilíbrio nos ventos.

Água que refresca a pele queimada, docemente salgada.

O canto dos pássaros esclarece o quão pouco precisamos para viver.

Mesmo sozinho é possível sentir a presença dos seres queridos.

É bom chegar a essa enseada abrigada onde tantas vezes nos sentíamos em casa.

Ancorar ? Jogar a ancora ou não ?

Deixo-me aproximar mais das árvores tão verdes destas margens.

Como é lindo esse lugar, é preservado por desconhecimento.

Todo santo dia essa maravilha está aqui inteiramente disponível.

Enquanto isso os nossos dias são marcados pela sede.

Este é o perigo que ronda. Uma vida secante, sem conhecer seu valor.

Aqui está bom para jogar ancora. Barco parado e pronto.

Ocasião para dar de presente um mergulho.

Mergulho nu e quente vestido apenas destas águas.

Bóio com os pés apoiados no último degrau da escada de popa.

Sinto-me dissolver como um efervescente anti-ácido numa vida enjoativa.

Esta vida ácida que priva a tantos esse encontro.

Braços abertos e mínima respiração. Nesse flutuar no universo.

Sem pensamentos, apenas boiar, sem se afogar.

Sinto-me conectado por um ponto, a todo universo.

Onde se reconhece que as palavras são inúteis.

Mesmo se soubesse falar com deus.

Vida que se sente unida à imensa vida.

É como se o corpo fosse apenas água e essas lindas árvores.

Retorno a bordo.

Deito-me por alguns minutos ao sol de bombordo para secar o corpo.

Sinto-me tão vestido de carne da cabeça aos pés.

Vestido de idéias, de imagens, de história.

Vestido de matéria dura que pode até asfixiar a verdadeira respiração.

Somos sopro e sendo assim, não podemos ficar presos.

Como o cavaleiro fica preso à sua montaria, e a sua batalha.

O veleiro ancorado sempre aponta para o vento.

Como a mostrar a necessidade de soltar-se.

E abrir próprias velas.

Deixar o ser levado pelo vento nessa existência.

Deixar-se levar sem resistências para o que atrai.

Sem esforço em entender, se desprender.

Perceber que só no pouco é que se consegue tocar o muito.

Que no fundo da solidão há uma passagem para seu avesso.

Que idéias podem nos levar ao nada, mas só o nada pode nos levar.

O céu é incorruptivelmente azul. O sol a pino, tudo em volta é luz.

Um minuto parece uma hora e só é percebido pela queimação na pele.

Para essas horas de iluminação é bom usar um protetor solar.

Hora de recolher a ancora para nova partida, desta vez no motor.

O hotel aqui perto na proa 160 graus.

Para um ótimo almoço vegetariano.

Nesta hora as nuvens nos céus, são pesados stratus avolumados.

Que descem para a camada mais densa e de maior pressão.

Se horizontalizam como senhoras gordas sentadas para conversar.

A boreste se vê a ponte. Linda centopéia se esticando contra os lados da represa.

Nela os veículos são como seiva numa alongada espinha o que a faz um ser vivo.

Enquanto se reflete tranqüila em azuladas águas brilhantes e macias.

Proa ao vento e a meta é achar um bom lugar para fundear.

Nuvens repentinas carregadas à sudeste recomendam uma prudente brevidade.

Quem sabe ancora de proa...

Aproximação lenta como um pouso no aeroporto de origem.

Fechar a gaiuta, pegar o botinho e ir para o hotel.

Para o almoço água com gás e limão.

Um barco é apenas um pontinho flutuando na indivisível inteireza.

A sensação de paz que pode existir quando se está em ordem.

Deixando o fluxo da vida refletir no íntimo A luz dos céus.

No encontro das águas do rio.

Com as nossas próprias águas.

Que só o veleiro propicia.

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