sábado, 9 de abril de 2011

Palavra

Para escrever aquela palavra

É preciso conhecer,

Os irmãos que não tivemos.

A casa no fim da rua

A montanha do outro lado,

O fundo do mar.

É preciso reunir os quatro avôs

Os oito bisavôs,

Todos na mesma sala.

É preciso saber

O que viu a tia cega,

Um minuto antes de morrer.

É preciso saber o motivo

Pelo qual a mãe chorava,

Naquele domingo.

É preciso reunir todos os filhos

E os netos que ainda não nasceram,

Na pátria que nunca fez guerra.

É preciso vontade

Mais do que talento,

Determinação.

É preciso o sorriso da mulher

Paz e papel,

E uma boa impressora a jato de tinta.

Riquezas

Quem escreve

Pode sentir-se,

Um ser rico.

Mesmo não podendo

Trazer com sigo,

Suas posses.

Como poderia ele

Engarrafar os oceanos,

Que são dele.

E a luz da manhã

Como poderia guardar,

Onde.

E a brisa da tarde

A perfeita luminosidade,

A paz.

Carrega tudo

Mesmo estando de mãos vazias,

Só assim pode escrever.

Assim todas suas riquezas cabem

No primeiro traço de letra,

Da primeira palavra escrita.

Ser Mestre

Ser mestre é um estado de espírito

Em reconhecer em si,

Um foro apropriado para seu tempo.

Um espaço tangível

Em que mesmo o intangível,

Pode se reconhecer.

Ser mestre é a percepção

De que o melhor está para acontecer,

Pois ele está por perto.

Quando se afasta

Deixa no ato,

O encantamento.

É necessário a cada instante

Se reformular,

Se reformatar.

Mas internamente

Não abandona em momento algum,

O estado de afeto.

Não perde a dimensão

Do momento que se está,

Dentro da longa história.

Está em contato

Com a excelência

Que emana de si.

Fora dela

É como o vôo do peixe,

Breve e insustentado.

O mestre não procura ser

De outra natureza,

Senão a sua.

Sabe que por nenhuma outra

A vida pode ir tão longe,

Como através de si.

Sem ninguém ter-lhe falado

Sente a força da alma,

Intraduzível em palavras.

É atraído pelo fluxo

Que converge ao maior,

Sucumbindo no menor.

O movimento do eu

É oposto ao do mestre.

Se abre a partir de seu peito

A onda de luz pelos braços,

Até abraçar o cosmos.

Entende então o mestre

Que de uma forma invisível,

Ele liga a terra aos céus.

Sente-se então honrado

Em ser portador,

Das sementes do sagrado.

No mar

Soltado o cabo

O último que nos prende,

Ao que é seguro

É o ser.

O veleiro começa a se mover

Bem devagar,

Afastando-se de sua bóia.

O mar calmo dessa manhã

Faz pequenas ondas,

Um peixe salta.

Somente com a mestra

O barco toma o canal,

Corredor para o mar aberto.

Outros chegam.

Depois da ultima baliza

O veleiro enfim se solta.

Aderna docemente a boreste

Pois o velho sudeste,

Chega soprando constante.

A água é brilhante

Reflete o sol à frente,

Como num oceano de luz.

O veleiro flutua na luz

E o vento apenas,

O escora.

Aproxima-se o ponto

Em que se cruza,

A linha da costa.

A partir daqui

Tudo agora é mar aberto.

O costão ficou para trás

Suas escarpas daqui,

São azuladas.

A vegetação e as pedras

Se compõe no espaço,

Para expandir a vida.

No mesmo instante

Que expandimos o mar.

Ir implica em voltar

Mas adentrar o mar,

É algo que não tem volta.

As ondas são maiores

O vento mais forte,

O mar tem mais personalidade.

A navegação mais atenciosa

Não dispensa a beleza,

Das ilhas à bombordo.

A beleza da luz

Convida à proa 120,

Para alinhar ao sol.

Como explicar

Que luz é rumo,

Fora da costa.

O mar é tão verde

Quanto o céu é azul

Na linha do horizonte

A vela tão estufada

Como no peito,

A gratidão.

O veleiro vai

As palavras ficam,

Por serem escritas.

A vida formiga por dentro

Como se nascesse mais uma vez,

Desse mar.

Como foi a primeira

Há bilhões de anos,

Volta a nascer.

Escolhe um coração exaltado

Para revelar,

O conteúdo do vento.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Baleia

Passar um temporada no veleiro

É conhecer mais sobre você mesmo.

Do cálculo das provisões

Do que e quanto levar

Para a uma temporada.

Longa ou curta

Com ou sem travessia,

Passar sozinho

Uma temporada no veleiro,

É ótima experiência.

No mar a pele fica salgada

E não há água doce,

Que a faça voltar.

Exceto banho de chuva

Quando também se lava a alma,

E tudo mais.

Uma temporada no veleiro

É um desafio para o corpo

Pois o veleiro,

É morada para o espírito.

Depois de uma temporada a bordo

Nunca mais se é o mesmo,

Nem se vê o mundo da mesma forma.

Muda seu conceito sobre o lixo

Sobre economia de água,

E de como racionar provisões.

Muda a forma de ver o tempo.

O espaço, a vastidão e o nada.

O veleiro é uma escola

Onde se aprende a viver fora dele.

No veleiro é como estar,

No ventre de uma baleia,

Vivendo a vida dela,

Porém aprendendo a sua.

Edifícios

São altos

Imitam montanhas

Medidas tamanhas

Se ocupam

De gente de toda idade

Ombream-se

Enquanto sombream-nos

Fazem-se eternos

Como invasores de horizonte

São concretos

Com janelas de alma

São cinzentos

Da poeira não sabida

São ruidosos

Em esquinas disformes

Ângulos sem angulosidade

São apenas blocos esculpidos

Analíticos

São duros como quem os pensou

São abrigos da batalha

Que só se perde

E por isso

Resistem mais do que nós

Que nada mais podemos fazer

Que contemplá-los

Como filhos

De nosso próprio medo

Auto retrato

Nem imaginava que gostava tanto de ter tempo.

Nem imaginava que gostava de ficar comigo.

Acho gostoso quando chego em casa e nada há esperando.

Encontro as mesmas coisas onde as deixei incluindo bagunças.

É o milagre da imutabilidade como o dia e a noite.

Também não sabia que gostava tanto de escrever.

Ficar horas na frente do computador.

Nem que meus dedos sabem acertam as letras sozinhos.

Gosto de escrever deitado pouco vestido com um rolinho sob a nuca.

A tela inclinada para não jogar muita luz.

O olhar vago, meio embaçado, pálpebras pesadas.

Queixo suavemente enfiado no pescoço.

Joelhos dobrados apoiando o lap top quente no ventre.

Respiração lenta, nasal, um vazio na frente.

Quando de repente vem a palavra como a chuva.

As vezes pinguinhos, as vezes enchorrada.

Há algumas que vem em brumas também.

Todas gostam de ser como agua, inconsciente.

Brigo com ruídos estridentes, desnecessários ou repetitivos.

Faço um certo bico.

Me assusto quando bate o sino.

Conto o horário de traz para frente.

Falta tanto para acontecer aquilo.

Será que escrever tem importância ?

Parece pintar auto retrato.

Escrevo auto retrato a cada texto.

Algo que quem lê se sinta escrevendo.

Como por um espelho.

Então entendo que escrever.

É como pintar auto retrato

Só que do leitor.

Nos olhos

Quando era criança a lua tocava o teto da casa.

Alcançava as estrelas com as pontas dos dedos.

Amava meus avós que eram todo o passado.

Amava meus pais que já nasceram adultos.

Quando fiquei menino rasgava as calças nos joelhos.

Minhas horas eram poucas para tanta vontade de brinquedo.

Quando virei mocinho queria entender tudo mesmo sabendo nada.

Quando fiquei homem tive que continuar a ser menino e mocinho.

Pois só assim poderia olhar nos olhos da cara do mundo.

Meditar

Começo

Por palavras

Que levem sentimento

Começo

Por sentimentos

Que levem verdades

Começo

Por verdades

Que levem ao insubstancial

Começo

Pelo insubstancial

Então não preciso começar

Mundo


A noite chegou com a promessa de um novo dia.

Em que as tristezas fossem compreendidas e partissem.

Que as diferenças seriam conhecidas e equiparadas.

Que as conquistas seriam divulgadas.

E as riquezas seriam multiplicadas ao serem divididas.

A noite chegou e me manteve acordado.

Não pude dormir pois em meu coração já está presente a aurora.



Tortas figuras

Amanheceu domingo

Todos em casa

Éramos de novo

O corredor silencioso

Transpirava

Sonhos matutinos

A noite curta

De abraços longos

Passou rápido

Amanheceu sem pressa

Um horário sem cara

Podia ser eterno

Eram muitos meses

Que separavam

As memórias

Seriamos novos

Seriamos melhores

Seriamos os mesmos

Quando bateu o sino

Da Santa Rita

Era cedo

Para se traçar previsões

Prognósticos

Ou promessas

Tempo apenas

Para ser acordado

Transformado em dia

Compramos pão e figurinhas

Coladas tortas no álbum

Como todos nós

Amanheceu nós

Éramos nós

Apenas isso

No Veleiro

No veleiro


É domingo, o vento é silencioso.Vem de frente.

O ar úmido da represa de águas limpas de Avaré

Mantendo 210 graus na magnética.

Pelo canal principal, quase um mar, o céu azul salpica em stratus.

A bordo do Easy, um velho amigo de muitas histórias.

Quantas temporadas temos ambos no flutuar da vida.

Na vida é preciso tempo para refletir como fazem estas águas com os céus.

Este enorme rio convida a abrir a alma e decolar para a vida.

Romper o isolamento da pequena tempera, das coisas medianas.

Do risco de se chegar ao pé montanha e não escalá-la.

Assim segue a vida e esse rio, à medida que caminha, se limpam.

Oxida crenças, deposita no fundo o que é pesado.

Só o que se faz leve pode avançar na vida.

Ultrapassando as aparências, na firmeza de abandonar o que não serve mais.

No momento certo de abraçar o que silencia e solta ao vento.

Chego ao meu limite nessa manhã que não permite senão o verdadeiro.

Não basta calar diante do aceitável mas vencer o conforto do que se repete.

Sentir a alma humana querendo levantar-se saindo de si.

O vento parou. Agora sem velas, o jeito é acionar o motor.

O botinho inflável vem atrás se arrastando e batendo nas ondas.

Novo rumo 240, destino o Costão de mata virgem.

Lá se é transportado para Ubatuba exceto pelo canto dos pássaros.

Cenário para um passeio lento, não querendo nada, não precisando.

Apenas dividindo este momento mágico com todos que amo.

Aqui o rio se parece com o mar na praia do Flamengo.

O Flamengo é uma espécie de pátria para os velejadores.

O prêmio merecido pelas horas de equilíbrio nos ventos.

Água que refresca a pele queimada, docemente salgada.

O canto dos pássaros esclarece o quão pouco precisamos para viver.

Mesmo sozinho é possível sentir a presença dos seres queridos.

É bom chegar a essa enseada abrigada onde tantas vezes nos sentíamos em casa.

Ancorar ? Jogar a ancora ou não ?

Deixo-me aproximar mais das árvores tão verdes destas margens.

Como é lindo esse lugar, é preservado por desconhecimento.

Todo santo dia essa maravilha está aqui inteiramente disponível.

Enquanto isso os nossos dias são marcados pela sede.

Este é o perigo que ronda. Uma vida secante, sem conhecer seu valor.

Aqui está bom para jogar ancora. Barco parado e pronto.

Ocasião para dar de presente um mergulho.

Mergulho nu e quente vestido apenas destas águas.

Bóio com os pés apoiados no último degrau da escada de popa.

Sinto-me dissolver como um efervescente anti-ácido numa vida enjoativa.

Esta vida ácida que priva a tantos esse encontro.

Braços abertos e mínima respiração. Nesse flutuar no universo.

Sem pensamentos, apenas boiar, sem se afogar.

Sinto-me conectado por um ponto, a todo universo.

Onde se reconhece que as palavras são inúteis.

Mesmo se soubesse falar com deus.

Vida que se sente unida à imensa vida.

É como se o corpo fosse apenas água e essas lindas árvores.

Retorno a bordo.

Deito-me por alguns minutos ao sol de bombordo para secar o corpo.

Sinto-me tão vestido de carne da cabeça aos pés.

Vestido de idéias, de imagens, de história.

Vestido de matéria dura que pode até asfixiar a verdadeira respiração.

Somos sopro e sendo assim, não podemos ficar presos.

Como o cavaleiro fica preso à sua montaria, e a sua batalha.

O veleiro ancorado sempre aponta para o vento.

Como a mostrar a necessidade de soltar-se.

E abrir próprias velas.

Deixar o ser levado pelo vento nessa existência.

Deixar-se levar sem resistências para o que atrai.

Sem esforço em entender, se desprender.

Perceber que só no pouco é que se consegue tocar o muito.

Que no fundo da solidão há uma passagem para seu avesso.

Que idéias podem nos levar ao nada, mas só o nada pode nos levar.

O céu é incorruptivelmente azul. O sol a pino, tudo em volta é luz.

Um minuto parece uma hora e só é percebido pela queimação na pele.

Para essas horas de iluminação é bom usar um protetor solar.

Hora de recolher a ancora para nova partida, desta vez no motor.

O hotel aqui perto na proa 160 graus.

Para um ótimo almoço vegetariano.

Nesta hora as nuvens nos céus, são pesados stratus avolumados.

Que descem para a camada mais densa e de maior pressão.

Se horizontalizam como senhoras gordas sentadas para conversar.

A boreste se vê a ponte. Linda centopéia se esticando contra os lados da represa.

Nela os veículos são como seiva numa alongada espinha o que a faz um ser vivo.

Enquanto se reflete tranqüila em azuladas águas brilhantes e macias.

Proa ao vento e a meta é achar um bom lugar para fundear.

Nuvens repentinas carregadas à sudeste recomendam uma prudente brevidade.

Quem sabe ancora de proa...

Aproximação lenta como um pouso no aeroporto de origem.

Fechar a gaiuta, pegar o botinho e ir para o hotel.

Para o almoço água com gás e limão.

Um barco é apenas um pontinho flutuando na indivisível inteireza.

A sensação de paz que pode existir quando se está em ordem.

Deixando o fluxo da vida refletir no íntimo A luz dos céus.

No encontro das águas do rio.

Com as nossas próprias águas.

Que só o veleiro propicia.